terça-feira, 7 de maio de 2013

Justiça cega


Em tempos de julgamentos de mensalão pelo STF, em tempos de Ministros como Joaquim Barbosa, Marco Aurelio, Luis Fux, entre outros, que estabeleceram penas severas aos acusados daquele rumoroso processo, tentando com tais penas inibir outros ilícitos, destaca-se a meu ver, de forma negativa, a Justiça do Rio Grande do Sul, através da 3 Turma Recursal, composta pelos doutos julgadores, Adriana da Silva Ribeiro, Eduardo Kraemer e Luis Francisco Franco, sob a presidência e relatoria da primeira.

Fatos

Resumidamente, minha esposa e eu adquirimos pacote da operadora CVC, partindo de Porto Alegre até Fortaleza, aéreo e terrestre. Ao chegarmos no hotel escolhido, minha cadeira de rodas não entrava no banheiro. Houve pois, a troca de hotel, não sem antes uma série de prejuízos como telefonemas, perdas de passeios, desconforto, impossibilidade de higienização ao longo de pelo menos 24 horas, enfim, transtornos de toda ordem, exaustivamente comprovado no processo número 001/3.12.0004799-6, Themis 71004051025 . Como se não bastasse, fomos obrigados a acionar o Banco Santander, em virtude da inclusão de minha esposa no cadastro da Serasa, por falta de pagamento que até hoje não restou comprovado pela instituição bancária, conforme processo 001/3.12.0020513-3, Themis 71004080917.

Legislação universal

Não há mais recurso quanto à sentença, já recebemos a indenização por dano moral determinada pelos julgadores. Mas isto não nos impede de manifestar nossa absoluta inconformidade quanto à decisão da 3 Turma Recursal. Em nosso entendimento, a Justiça gaúcha desconsiderou o artigo 5 da CF, que garante a todos a igualdade, sem distinção de qualquer natureza. A cidadania e a dignidade da pessoa humana mencionados no artigo pressupõe que todos os direitos previstos para as pessoas “comuns” sejam também disponibilizados para as pessoas com deficiências. Cabe pinçar aqui a principal disposição do artigo, qual seja, o Princípio da Igualdade Formal ou o Princípio da Isonomia, segundo o qual, todos são iguais perante a Lei. Todas as pessoas terão tratamento igual perante as Leis? Não. Significa que todas as pessoas terão tratamento diferenciado na medida de suas diferenças. Celso Bastos afirmou que “ o verdadeiro conteúdo do princípio é o direito da pessoa de não ser desigualada pela Lei. Desejou o legislador que as diferenças impostas sejam justificáveis pelos objetivos que a Lei pretendeu atingir. A sociedade é formada pela diversidade de pessoas, logo, para que a Constituição Federal seja alcançada, na busca da igualdade, por vezes, é preciso tratar desigualmente os desiguais.


Direito à acessibilidade

Art. 2.º, inciso II, Lei n.º 10.098/00: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.
Norma Técnica de Acessibilidade - NBR 9050/04 , da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)
Define normas para acessibilidade de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos coletivo, estacionamentos, espaços de lazer, etc.A norma é de observância obrigatória, pois isso se encaixa muito bem no ordenamento jurídico brasileiro. Não há dependência de concordância de qualquer órgão. O sistema jurídico brasileiro é lógico no quesito hierarquia. O Hotel Boreas não estava adaptado em conformidade com a as leis universais, a CF e as normas técnicas, e, reconheceu seu equívoco ao acordar indenização conosco. Aliás, para esclarecer, não havia interesse de nossa parte em processar o Hotel Boreas, já que admitiu o erro e pelo menos tentou resolvê-lo. Restava a CVC, prestadora do serviço, sem a qual nenhum contrato teria sido firmado, o ônus de provar que o mesmo atendeu os requisitos mínimos de segurança e qualidade exigidos pela sociedade técnica e o mercado de consumo, ainda que não estejam normalizados.


O dano moral

A Constituição Federal de 1988 deu destaque especial ao dano moral, dando-lhe maior ênfase e protegendo a dignidade da pessoa humana e o bem estar de todos. O artigo 5º, inc. X da Carta Magna, em sua redação, trata de assegurar o direito à indenização pelo dano moral causado, responsabilizando o agente pelo cometimento de atos que violem as normas do Ordenamento Jurídico.

O dano moral ou extrapatrimonial é aquele que afeta o cidadão como ser humano dotado de dignidade. "O dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo". (DINIZ, 2002: p. 81). O dano moral não vem a ser a angústia, a aflição ou a humilhação vivida pela vítima com o evento danoso, como muitos pensam, e sim as conseqüências que esses estados trazem à vítima. O dano moral é a privação de um bem tutelado e reconhecido juridicamente a todos cidadãos. (GONÇALVES, 2003: p.548).

No capítulo dos Direitos da Constituição de 1988, o inciso V, descreve e define o dano moral. Ao ofendido é permitida linha de defesa, através do pedido de indenização em juízo. Atingiu-se minha intimidade, independente da agressão ter sido observada por outro, bastando o sentimento de ter sido ofendido. O artigo 244 da Carta Magna diz que a legislação disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º. O Artigo I, “2”, “a” da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência realizada na Guatemala em 1999 e, em nível nacional, promulgada pelo Decreto nº 3.956 de 08 de Outubro de 2001, define discriminação como toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o conhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.
Já a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil, em seu artigo 5.º diz: ...” Os Estados Partes proibirão qualquer discriminação por motivo de deficiência e garantirá às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção contra a discriminação por qualquer motivo.


Fixação do valor atribuído ao dano moral

Inicialmente, a Doutora Adriana e a Turma Recursal não analisaram e não observaram as peculiaridades do caso concreto, desrespeitando o princípio da equidade proposto no caput do artigo 5º da CF/88, e, por conseguinte, afastando-se de atribuir valor aproximado ao ideal da justiça. O sofrimento experimentado pelos autores e o descaso da ré envolvida no conflito acarretou ainda prejuízos a terceiros, isto é, os acompanhantes dos autores, que solidariamente cancelaram os passeios previstos e pagos antecipadamente.


Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade

O Princípio Constitucional da Razoabilidade, segundo o doutrinador Canotilho, se baseia nos princípios gerais da justiça e liberdade. Busca o justo equilíbrio entre o exercício do poder e a preservação dos direitos dos cidadãos, trazendo uma harmonia e bem estar sociais, evitando dessa forma atos arbitrários.
O Princípio da Proporcionalidade, de acordo com Guerra Filho, é um direcionador em relação aos demais princípios, no sentido que, em um conflito entre princípios deve haver uma ponderação de valores baseada na proporcionalidade e razoabilidade, buscando sempre a preservação da dignidade da pessoa humana.


Valor arbitrado

A nobre julgadora deveria, em nosso entender, ao proferir decisão, estabelecer valor indezinatório que reparasse o atentado à reputação que sofremos, e principalmente desestimular novas agressões por parte do ofensor, no caso, a CVC, que aliás, como esclarecido no processo, cometeu o mesmo erro pela segunda vez. Quanto mais não seja, a Turma Recursal sequer estabeleceu o cunho sócio-educativo da ré, o caráter sancionador, pois a compensação da vítima deve ter também um sentido punitivo ao lesionador, majorando o valor ora determinado pelo dano moral. É verdade que o intérprete deve evitar a indústria do dano moral, mas não é menos verdade que o mesmo precisa atentar para o caráter pedagógico da atribuição do valor, assim como levar em consideração a relação da capacidade econômica da ré e a posição social do autor quando da fixação do quantum indenizatório. A Turma Recursal esqueceu ainda, os ensinamentos dos Ministros do STF, que basearam sua decisão nos julgamentos dos réus do mensalão na culpa do agente, na extensão do prejuízo e na capacidade econômica do responsável.

Em face de todo o exposto, entendemos que a sentença merecia reparos no tocante ao montante arbitrado para a indenização. Impõe-se a nosso ver, que o quantum tivesse sido majorado para uma melhor compensação nossa e, ao mesmo tempo, inibir e desestimular a reincidência do ofensor, aliás, mais uma. Há que se ponderar ainda que o nome de minha esposa foi inscrito de forma indevida nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, por uma inexistente dívida.


Lamentável
Resta lamentar a decisão da relatora Adriana da Silva Ribeiro e de seus pares. A não adoção do caráter pedagógico na atribuição do valor do dano, premia a CVC, que, por certo, seguirá atentando contra os princípios democráticos da Constituição Federal. Assim como a justiça brasileira faz com operadoras de telefones, de televisões a cabo, grandes redes de lojas.


Recurso
Corrigindo o que disse acima, há ainda uma chance de recurso. Aquele que mais atinge os maus fornecedores. Substituí-los, razão pela qual, CVC, jamais. Pobre judiciário brasileiro.